De médico e instrutor de autoescola todo mundo tem um pouco. Ou ao menos acredita nessa inverdade.
Basta dizer “tenho medo de dirigir” para que alguém – motivado por compaixão ou insanidade – retruque: “é tão fácil, deixa que eu te ensino”. Fácil é; não é esta a questão.
Difícil foi formular a teoria da relatividade. Por isso que há apenas um Einstein no mundo, enquanto motorista de carro há milhões.
Qual é a questão? Medo. E o medo – quando não justificado – toca no mistério. De mistério, pouca gente entende.
Tive em minha adolescência péssimas experiências ao tentar dirigir com namorados, amigos, irmãos, cunhada e todo tipo de gente que, por mais que goste de você, não têm acesso ao seu mistério mais profundo. Descobri tarde que pessoas com fobia de guiar devem escolher seu professor ou professora como quem escolhe alguém para casar. Se possível, ser mais criterioso.
Ser apenas instrutor de autoescola também não adianta. É preciso ser um instrutor com algo a mais, capaz de fazê-lo entender que há entre você e o carro uma ponte existente, mas ainda invisível aos seus olhos.
Ele deve ser alguém que segura sua mão e dá o primeiro passo na ponte. Você observa os pés dele tocando o abismo, sem ser engolido por ele. Então, seu professor o convida a confiar, a tatear o chão, sentir que há algo ali e que, aos poucos, você começará a perceber o material de que esse chão é feito, suas cores, seu cheiro.
Se sentir que seu instrutor tem - e você não - algum um dom especial para enxergar a ponte, desista dele. O dom especial deve ser: fazer você ver o caminho também.