sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Perder o medo de dirigir é conquistar um lugar, isto é, incomodar!



Logo no início da vida, um dos fatos geradores de angústia – segundo Sigmund Freud, o pai da psicanálise – é perceber que não somos o único objeto de desejo da mãe. Pai, irmãos, novela das oito, qualquer coisa que desvie a atenção dela de nós é visto como um inimigo potencial. Crescemos, estudamos, aprendemos como as coisas funcionam, mas, pelo comportamento apresentado pela maioria das pessoas, pode-se dizer que essa história de perder a condição de único e mais especial ser ocupando o planeta não foi bem digerida. Boa prova disso, claro, é o trânsito. Portanto, quem está disposto a perder o medo de dirigir deve preparar-se para perder também o medo da cara feira e do choro (disfarçado de buzina) de alguns mimados que não vão querer dividir as ruas dele com você.

Essa percepção ficou clara no desafio de hoje da série Coragem de Dirigir (veja abaixo). Realizado em um Gol com os dizeres “motorista em treinamento” e na companhia de Fabiana Saghi, terapeuta da Clínica Escola Cecília Bellina, o objetivo era “só” dar continuidade ao treinamento de olhar nos espelhos laterais para mudar de faixa e encarar um trecho da Marginal, mas o aprendizado veio também por outras vias. Minha redução de marcha melhorou consideravelmente, mas ainda fico ansiosa e muito tensa com a falta de domínio do câmbio manual. Deixar o carro morrer ou demorar mais do que três segundos (tempo intolerável para um paulista) para sair do lugar me fazem suar frio. Além da técnica, o pronto apoio psicológico nesses momentos é o que dá força para não desistir.

Depois de sair com o carro, eu ainda tentava me acostumar ao câmbio quando, após três lentos segundos para sair do lugar, o motorista de trás mandou logo duas buzinadas (choro) impacientes. A minha frente, a pista continuava parada. Nervosa, olhei pelo retrovisor e, com mãos e palavras, perguntei: “o que você quer que eu faça, meu filho?”. E poderia bem, como desenvolvi acima, completar: “o que você quer que eu faça, meu filho, há outras coisas no mundo além de você”.

O desafio do dia era mesmo dar-me o direito de existir, com ou sem erros. No farol seguinte, um vendedor de balas – daqueles que usam seu retrovisor como balcão – teve um surto ao ler que se tratava de um “motorista em treinamento”. Caminhou na minha direção e, repetidas vezes, gritou: “tranca-rua, tranca-rua, tranca-rua”.

Apesar da raiva, tive de admitir que aquele infeliz manifestava exatamente meu estado de espírito. Como iniciante, minha sensação era de estar trancando o caminho dos outros motoristas, principalmente o dos reizinhos recalcados. Mas a hostilidade do homem me acordou para o fato de que eu, tanto quanto os outros, tinha o direito de estar ali. Aliás, ao estar em treinamento, faço um enorme bem à saúde do trânsito. A maioria dos motoristas sabe que é impossível estar apto a dirigir apenas com as aulas da autoescola.

A terapeuta me disse que a Clínica Escola Cecília Bellina tem o projeto de fazer diferentes adesivos para os carros de treinamento, algo como: “amaciando o motor”, “freio para animais” etc. Depois de minha última aula, estou planejando colocar um com os seguintes dizeres no meu carro:

“Você que já nasceu sabendo dirigir, me desculpe: eu preciso treinar um pouco mais”.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Após 17 anos de pânico, encarei o volante sozinha!

Em 10 agosto de 2008, uma internauta escreveria ao site WebMotors elogiando as reportagens e terminando com um comentário no mínino intrigante: “aproveito cada descrição dos jornalistas, porque as palavras são o mais próximo que consigo chegar de um carro. Tenho pavor dirigir e a certeza de que nunca o superarei”.

Dias depois, a internauta seria surpreendida pelo e-mail de resposta enviado por este site. O time editorial havia entrado em contato com a Clínica Escola Cecília Bellina, pioneira no Brasil no tratamento do medo de dirigir, e proposto à autoescola cuidar do caso da internauta. A esta última caberia relatar por meio de reportagens sua experiência de enfrentamento, do início ao fim, independente do resultado.

A internauta – no caso, eu – aceitou. Embora feliz com a oportunidade, não havia nenhuma expectativa de que aquela empreitada daria resultados. Afinal, o medo se manifestou pela primeira vez, disfarçado de falta de tempo, quando, com dez aulas pagas na autoescola abandonei as últimas cinco e não voltei mais.

Em seguida, vieram as tentativas de, mesmo sem habilitação, dirigir com amigos e namorados. Se com um professor ao lado a coisa não progrediu, com pessoas despreparadas, tão ansiosas quanto eu, a experiência – especialmente a última delas, seria dramática. Depois de dirigir por uma desértica pista de terra, fui incentivada a continuar guiando mais um pouco, até o início da asfaltada. A pista de mão dupla, diga-se, era uma rodovia. Com a consciência veio o pânico. Pisei no freio, saí do carro e, por pouco, não causei um engavetamento seguido de atropelamento.

Com esse “quase” acidente na memória, nunca mais havia ousado me aproximar de um carro novamente, até ter minha primeira aula de volante na Clínica. Quer dizer, não foi tão simples assim. Da entrevista com Cecília Bellina, em 25 de junho de 2008, a fazer o teste psicotécnico, foram quase 30 dias. Um piscar de olhos se comparado ao tempo que levei depois do psicotécnico à primeira aula no CFC (oito meses), e do fim do CFC à primeira aula prática (quatro meses). A redução de tempo, no segundo caso, só aconteceu graças à pressão de, com a validade do psicotécnico preste a vencer, ter de fazer todo o processo novamente.

Depois do período de enrosco, eu e a Clínica começamos uma maratona para fazer todas as aulas dentro do prazo. Eu tinha menos de um mês para aprender a guiar e passar no exame prático na primeira tentativa, já que não teria tempo hábil para remarcações, que devem ter, no mínimo, 15 dias de intervalo.

Por duas semanas, fiz três horas de aula por dia. Quase tive uma tendinite nos pés e, depois de aprender a fazer baliza, a certeza de que seria impossível passar no exame de primeira. Passei.

De volta ao carro da Clínica, agora com os dizeres “motorista em treinamento”, o medo ainda estava ali, mas não a ponto de o coração disparar ou o corpo tremer. Guiando com a terapeuta no banco ao lado, fui ganhando confiança até para errar, o que é fundamental em qualquer processo de aprendizado. Na aula de hoje, por exemplo, que começou às 7 horas da manhã, cometi ao menos dois: subi na guia em uma curva e fechei outro motorista ao mudar de pista, porque não olhei nos espelhos laterais. Apesar disso, fui bem no percurso. Minha maior superação, entretanto, ainda estava por vir.

Hoje, às 10 horas, recebi novo convite da equipe editorial do site WebMotors: dirigir uma minivan de São Paulo a São Bernardo do Campo, sozinha, por aproximadamente 20 quilômetros. Teria de enfrentar o trânsito da cidade e a velocidade da rodovia. Minha salvação, se aceitasse, estaria no fato de o jornalista Gustavo Ruffo estar logo a minha frente, em outro carro.

Acho que senti confiança na confiança que ele sentiu em mim. Fui. O carro era gigante para meus padrões (4,47 metros) e totalmente automático (o que é uma delícia!). Demos uma volta juntos para eu me acostumar com aquilo tudo. Seria um clichê dizer que não há palavras para descrever o que senti quando Gustavo saiu do carro para assumir o volante do outro, mas ele cabe perfeitamente nesta situação. Eu, sozinha, com meu medo de 17 anos de vida. Tão próximo éramos, quase um filho. Eu teria de arremessá-lo pela janela naquele momento. Estranho, mas verdadeiro, que cheguei a pensar o que seria (será) de mim sem ele. Há algo que eu nunca revelei nesta coluna: minha mãe morre de medo de dirigir, empalidece à ideia de ir no banco do carona. Por um instante, sentir meu medo ir embora foi como perder parte dela ali também.

Se há algo que deve deixar nossos pais profundamente honrados é ir além do que eles foram, e não repetir suas limitações. Mas não havia tempo para muitas divagações. Gustavo parou logo a minha frente, fez pelo retrovisor o sinal de “siga-me”. E eu decidi que era hora ir.

O carro como divã


Após superar as etapas teórica e prática para tirar a CNH (confira abaixo a série Coragem de Dirigir), deixei o carro com o adesivo de “autoescola” para estrear o com os dizeres “motorista em treinamento”. Por dificuldade de conciliar meu horário com o do grupo de terapia – e para que o processo não seja interrompido agora – tive uma sessão no carro, acompanhada pela psicóloga Fabiana Saghi. O objetivo, porém, é frequentar o grupo.

A primeira ansiedade foi justamente com o adesivo do carro. Será que os outros motoristas o respeitariam tanto quanto respeitam um carro de autoescola? Para minha surpresa, Fabiana contou que o respeito costuma ser maior com o “motorista em treinamento”, isso porque muitos acreditam que lugar de carro de autoescola é em rua deserta.

De um jeito ou de outro, me tranquiliza poder sinalizar aos demais motoristas que ainda não tenho total domínio do carro. A exemplo de alguns países, talvez fosse mais seguro o motorista iniciante ter uma sinalização no carro indicando sua condição. Assim, dividimos a responsabilidade. Só a carteira provisória não basta, ninguém vê.

O fato de estar com a terapeuta ao lado deu-me uma segurança que jamais senti. Claro que tive certo receio de guiar em ruas estreitas e parar em ladeiras, mas Fabiana me encorajou a enfrentá-lo, dando-me suporte emocional e técnico (é difícil perder o medo de dirigir se você não souber manusear o carro).

Ainda me confundo um pouco com as marchas. Reduzidas me fazem sonhar com um carro automático e as motos são um pânico à parte. Mas nada muito diferente de que acontece a uma pessoa normal. Ops, eu disse “normal”? É... acho que começo a caminhar – agora sobre rodas – para isso.